CARTA DE EUGENE PETERSON À UM COLEGA DE MINISTÉRIO - Um alerta para todos nós
Prezado Phillip,Estive pensando sobre nossa conversa da semana passada e queria lhe dizer alguma coisa sobre o que você disse esperar da sua nova congregação. Você disse que se trata de uma igreja importante na cidade, uma referência, uma espécie de catedral que poderia levar a influência da mensagem cristã para muito além de suas paredes. Foi isso mesmo que eu ouvi?
Entendo perfeitamente o que você está sentindo, e sinto o mesmo apelo muitas vezes. Todavia, desconfio desse apelo e creio que ceder a ele é arruinar o evangelho e a vocação de pastor. É o tipo de coisa em que os Estados Unidos se especializaram, e uma das conseqüências disso é que a religião americana e a vocação de pastor se acham num estado lamentável.
É bem o tipo de coisa sobre a qual temos uma documentação abundante há vinte séculos, e nela se vê como isso debilita a igreja e o pastor. Em linhas gerais, é o diabo tentando Jesus para que ele se jogue do pináculo do templo. Todas as vezes que os líderes da igreja se tornam seres impessoais, por pouco que seja, a comunidade de adoração/amor e o evangelho ficam enfraquecidos. O tamanho é o grande aniquilador da personalidade. A crítica de Kierkegaard vale ainda hoje: "Quanto mais gente, menos verdade".
A única forma de levar a vida cristã à maturidade é pela intimidade, pela renúncia e pelo aprofundamento pessoal. O pastor tem um papel fundamental no cultivo dessa maturidade. É verdade que essas coisas podem acontecer no contexto das grandes igrejas, mas só com muita luta. O tamanho é um impedimento, e não um ponto a favor.
há três maneiras clássicas pelas quais os seres humanos procuram alcançar a transcendência - o significado da religião, de Deus - fora da revelação da cruz de Jesus: pelo êxtase provocado pelo álcool e pelas drogas, pelo êxtase do sexo por pura diversão e pelo êxtase das multidões. Os líderes das igrejas sempre previnem contra as drogas e o sexo; no entanto, pelo menos nos Estados Unidos, quase nunca previnem contra as multidões. Provavelmente porque o ego deles tem muito a ganhar com elas.
Contudo, a multidão destrói o espírito tão completamente quanto excesso de álcool e de sexo impessoal. Ela nos tira de dentro de nós mesmos, mas não para Deus, e sim para longe dele. A fome de religião tem raízes na natureza insatisfeita do eu. Queremos escapar avidamente da monotonia, do tédio, do cansaço do eu. Podemos escapar para cima ou para baixo. As drogas e o sexo impessoal são uma falsa transcendência para baixo. A multidão nos move na direção da falsa transcendência para cima, por isso mesmo as multidões, espiritualmente falando, são quase sempre iguais, seja no estádio de futebol, seja nas campanhas políticas, seja na igreja.
Portanto, por que nós, pastores não desconfiamos das multidões, por que somos tão ingênuos em relação à falsa transcendência que elas engendram? Por que sabemos tanto sobre à falsa transcendência da bebida e do sexo e nada sabemos sobre a falsa transcendência das multidões? Muitos mestres espirituais de nossa tradição diagnosticaram esse mal e nos advertiram, mas são pouco lidos atualmente. Eu mesmo jamais escrevi o que penso sobre o assunto, talvez porque não esteja muito seguro de mim mesmo, já que há tão poucos pastores atualmente que concordariam comigo. Ou talvez seja porque não queira arriscar ser repudiado pelos amigos de quem gosto de verdade e a quem respeito genuinamente. Contudo, creio sinceramente que as multidões são um perigo pior, muito pior, do que a bebida e o sexo, e os pastores talvez sejam as únicas pessoas no planeta em posição de estimular uma imaginação que pense estrategicamente a igreja não em termos do seu tamanho, e sim como lugar adequado para a maturidade em cristo num ambiente de comunidade, e não de multidão.
Sua congregação atual está próxima do tamanho ideal para que sua vocação pastoral a conduza à maturidade cristã. Você disse que quer "multiplicar sua eficácia". Receio que a mudança pela qual você anseia sufocará sua vocação em vez de expandi-la. Podemos conversar mais um pouco a esse respeito? Gostaria muito de tratar de novo esse assunto.
A paz de Cristo,
Eugene Peterson
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